sábado, 31 de dezembro de 2011

Barganhar é preciso, viver, também!

Caro leitor,

Mais uma vez se faz necessário um pedido de desculpas pelo atraso da correspondência. Manter-lhe atualizado sobre as minhas andanças requer disciplina, algo que, a despeito de ter estudado seis anos no Colégio Militar, é difícil de se ensinar a um sujeito hiperativo.

Hoje é 31 de dezembro de 2011, último dia de um ano marcado por ciclos que se encerraram e portas que se abriram. Não acredito em “ano novo”. Assim como Mafalda (a tirinha mais genial após Charlie Brown e Sua Turma), penso da seguinte forma: é o mundo que espera que sejamos melhores no ano vindouro, não o contrário.

Ontem, dia 30, aproveitei uma folga na ONG (está acontecendo um encontro anual onde serão apresentados os resultados dos projetos finalizados. Como não falo Hindi e cheguei há seis dias, a turma falou: Vai filhão, vai pra vida!) para conhecer o centro velho da cidade (que poderia se passar facilmente pela rua das Calçadas ou Rua Nova). Para chegar até lá, fui gentilmente ciceroneado por Rachel, uma americana de Minessota, gente fina bagarai. Pegamos um rickshaw perto de casa, pois é mais cômodo e fica baratinho se você consegue rachar a corrida com alguém. A única observação é: sempre peça para os condutores usarem o “taxímetro”. Como no Brasil, você pode ter surpresas com o preço final da corrida, tá ligado? Saltamos em frente aos dois Bazares mais populares e legais de Jaipur: Bapu Bazaar, que fica do lado direito de quem chega, e Nehru Bazzar, do lado esquerdo.

No primeiro vuco-vuco, você encontrará artigos para celular, artigos para celular e alguns artigos para celular também. Além dessa variedade de produtos, o local é excelente para se comprar roupas, como casacos, jeans e tecidos. Estes últimos são impressionantes. Estampas das mais diferentes formas, cores de (Almodóvar, cores de Frida Khalo, cores) endoidar o cabeção e muito comerciante afim de limpar seu bolso se você não tiver autocontrole ou um limite baixo de cartão de crédito (Graças a Deus, tenho ambos). O momento era propício para a barganha, então, fui a uma das centenas (centenas mesmo) de lojinhas da região com o objetivo de comprar um casaco. É, meu amigo querido, pedi arrego ao frio. ESTILEI! E quando soube que, em Janeiro, teremos a agradável temperatura de 1º, chorei como uma criança desamparada e decidi me render ao consumismo. Após enxugar minhas lágrimas (não sem antes parar em frente ao espelho para checar qual ângulo me favorece mais quando tenho o rosto inchado), adquiri uma jaqueta (que ano é hoje? Alguém ainda fala essa palavra, fora minha mãe?) limpeza, manufaturada pelos melhores costureiros de Jaipur (o que significa que ela vai se arregaçar logo). Após esse arroubo de gastança, fomos, eu e Rachel, para o outro lado, sentir a atmosfera (FREEEESCO!) do Nehru Bazaar. Nesse espaço, estão as lojas de perfume, sandálias (que prendem a sua atenção pela originalidade e acabamento), mais tecidos e vestidos. Put a keep a Real! Esqueci que estava com uma moça e, ao perceber meu erro, já era tarde demais. Passamos o resto do dia entrando e
saindo das lojas, pois Rachel queria dar uma “olhadinha” nas bolsas de couro (e demais artigos feitos com esse material) e nas roupas femininas. Agora, graças a ela, sei tudo sobre cortes e melhores combinações entre os acessórios. Não sei como tinha vivido 25 anos sem conhecer esses segredos da humanidade. Não comemos nada, pois, à noite, Mohsin nos presentearia com outra iguaria da cozinha muçulmana. Na volta para casa, ainda paramos no Big Bazaar, um tipo de extrabom cujas as prateleiras estão escritas em Hindi. Não tinha pão, não tinha chocolate, não tinha miojo de galinha (para as meninas da república). Mas tinha um Suziki à venda na entrada do mercado. Legal, se eu não encontrar um pacote de biscoito, acho que levo um carro no lugar.

Eu sei, nada muito interessante para lhe contar, mas nunca lhe falei que minha pessoa despertava atenção.

Quando retornamos, finalmente, ao nosso adorado lar, só deu tempo de fazer um xixi e trocar de roupa para outra farra gastronômica na casa de Sami. Vixe! Para chegar até lá, dessa vez, foi uma comédia.

Aqui, a barganha é fundamental. Se o cara diz “200 rupis para te levar em Setúbal”, imediatamente você rebate com um: oxe, tá viajando? Eu quero ir de rickshaw, né de jatinho fretado não, mô fi (mas educadamente, sempre. Respeite, de igual forma, TODAS AS PESSOAS). Então ele oferecerá 180 rupis. Não se deixe vencer pela timidez, dê meia volta e finja que vai pegar o beco. Neste momento, o cabra te chamará e falará: tá bom, a gente vê um preço legal pra tu. Pode ser 150 rupis?

Lógico, nem sempre isso dá certo, daí é só esperar outra condução passar e repetir todo o processo, mas com uma malemolência acentuada.

O jantar, novamente, estava inacreditável. Meu senhor, eu fico em transe com a comida daqui (que é apimentada, vu? Se ligue não para não pegar em bomba.). É muito temperada, é muito gostosa, é muito... (desculpe, fui lá fora comprar um samosa, porque esse assunto me despertou uma fome da moléstia). Onde eu estava mesmo? Ah, então, a refeição foi maravilhosa. Estávamos eu, Sami, Tanveer, Mohsin e mais seis meninas que moram na república: Ana e Simone, de São Paulo, Rachel, Ruby, da Austrália, Martina e Sol, uma 'arxentina” “rente buena”. O nome do prato eu não lembro, mas sei que era cordeiro.

Bem, peço licença para me organizar, pois ainda não sei como será meu ano novo. Imagino que este relato não vai te entreter da mesma forma que os anteriores, mas nem sempre a inspiração vem me fazer uma visita.

Saúdo a você, pela companhia e apoio durante esse curto tempo em terras estrangeiras. Se me permitir, gostaria que minhas mães e minha família soubessem que meu amor aumenta a cada dia. Tente explicar a eles a importância da existência dessas pessoas para mim, imaginando a magnitude que sua família tem para você.

Uma última ousadia: um cheiro enorme em seu coração, saudoso amigo. Que 2011 se despeça polidamente e ceda seu lugar aos próximos desafios que iremos encarar em 2012. De preferência, juntos.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

No começo do caminhho

Ilustre leitor,

Que frio da bobônica!!! Hoje é dia 29 de dezembro, 11:50h da manhã, e estou na sede da CECOEDCON, ONG para qual trabalho. Preciso fazer esta introdução para iniciar o relato a seguir, que envolve o clima, o trampo e um jantar fabuloso, feito na laje da casa de um amigo.

Cheguei um pouco atrasado, pois acordei com uma dorzinha de garganta safada e uma febre chatinha. Tudo isso é resultado de um costume bem brasileiro: tomar banho antes de dormir. Aqui deve ser o lugar mais frio do mundo (acho que perde pra Triunfo. Bairrista, eu? Imagina). Quando voltei do regabofe de ontem, nossa casa estava sem água quente, mas como havia passado o dia todo fazendo trabalho de campo e depois fui conhecer o lar de alguns compadres, me sentia um pouco IMUNDO para deitar na minha cama. A temperatura estava por volta dos 11º (isso quer dizer que, para fazer um xixi, é necessário chamar o pinto tal qual fazemos com um cachorro, de outro modo, você não acha o bonitão) quando comecei a me banhar. Não precisa me xingar, já fiz isso ontem, após o primeiro pingo atingir minhas costas, fiz hoje e continuo fazendo até agora. O banho é um caso a parte, com uma cuia, porque, na casa, só as meninas tem chuveiro e BANHEIRA. Os cuecas usam balde e caneca para lavar o corpo. DIGAÍ! Mas isso é compreensível, pois a seca em Jaipur é violenta, então tomar banho assim evita o desperdício de água. Conforme expliquei acima, acordei doente e só cheguei ao escritório depois de me certificar que não estava mais febril. Vim trabalhar, pois o meu tempo de estada é muito curto, logo devo utilizá-loao máximo. Aproveitando este parágrafo, informo que não lhe enviei uma correspondência ontem por causa da correria, visto que passei o dia na rua.

Findada a explanação, posso contar como é minha labuta e quão INCRÍVEL foi minha jornada no dia 28 de dezembro.

Trabalho na CECOEDCON, uma organização não-governamental fundada, há 29 anos, pelo Sr. Sharad Joshi, uma pessoa estrogonoficamente altruísta e um advogado cuja reputação alcança todo o país (Estamos falando de Índia, meu querido, isso quer dizer que o rapaz tira uma ondinha pesada!). Entre outros feitos extraordinários, a CECO (vou tratá-la carinhosamente por esse apelido) promoveu mudanças significativas na vida de mais de 400.000 pessoas, oriundas basicamente de comunidades marginalizadas. Diferentemente de caridade, o objetivo central das nossas ações é ressaltar as capacidades e a autoconfiança de quem nunca recebeu nada além de preconceito e muito, mas muito mesmo, sofrimento. Minha supervisora, Jayashree, é o que chamamos, no Brasil, de coisa linda. Formada e pós-graduada em ciências sociais, é um poço de compreensão e competência. Além dela, mais seis pessoas trabalham diretamente comigo, incluindo meu borther Jay, um amigo de quem vou falar logo menos, na sequência. O núcleo da organização é formado por trinta pessoas, desde professores universitários a juízes da suprema corte já aposentados. Contudo, por volta de 150 indivíduos fazem desse lugar uma das mais renomadas instituições de direitos humanos na Índia. Meu orgulho por fazer parte desse time é do tamanho do meu bairrismo, ou seja, incomensurável.

Agora que você já conhece um pouco mais o lugar onde passo a maior parte do dia, gostaria de falar-lhe sobre as atividades em si. Ontem, eu, Lee, uma australiana FIGURAÇA, e Depa, outra fofinha da equipe, fomos a Nigwai, um vilarejo na zona rual de Jaipur. O objetivo da “viagem” era fazer uma pesquisa com as mulheres do local a fim de registrar de que modo a preferência por filhos homens afeta as condições de vida das mulheres da região. Essa iniciativa é parte de um projeto cujo fim é reverter a desigualdade entre gêneros, possibilitando uma efetiva melhora para as pessoas atingidas pelo problema. Talvez você possa estar pensando, neste instante, que queremos mudar um costume e não temos o direito de fazer isso. Cuidado! Da superfície, a água turva a vista e confunde as formas dos objetos. Por aqui, ainda é comum, em muitas partes, a tradição de casamentos arranjados (algumas meninas ficam noivas aos cinco anos e casam aos doze. Velho, isso é muito delicado, não tenho como fazer chegar até você a profundidade desse assunto. É realmente cabuloso) e esse comportamento tem consequências nefastas na maioria dos casos. Como nesses lugares ainda é exigido o pagamento do “dote”, famílias com recursos financeiros limitadíssimos veem-se numa situação desastrosa. Para elas, o nascimento de uma criança do sexo feminino representa um custo altíssimo. Desse modo, milhares de mulheres optam por fazer uma “seleção” fetal e, para isso, contam com a ajuda de “médicos” e hospitais clandestinos que fazem ultrassom e realizam abortos dos fetos de meninas. É realmente um caso de saúde pública, pois a falta de condições adequadas para a realização desses procedimentos ocasiona uma série de problemas para aquelas que se submetem a essa situação. O trabalho da CECO é promover a conscientização nesses locais e tentar reverter um quadro gravíssimo, que é um típico retrato de como os direitos humanos são imprescindíveis para nós.

Desculpe-me pela seriedade do tema, mas eu vim aqui para ser voluntário em programas de desenvolvimento pessoal e ajuda humanitária, não para “turistar”. Conquanto, descreverei agora a arriação que foi a pesquisa. Se você pensa que o brasileiro manga muito dos gringos, vou lhe dar a oportunidade de rever seus conceitos.

Quando chegamos à vila para fazer as entrevistas, TODAS as crianças nos cercaram. Foi uma das coisas mais lindas da minha vida aquele primeiro contato. Não podíamos nos comunicar verbalmente, pois meu intensivo em Hindi (isto é, observar a galera conversando no busão) ainda não surtiu efeito. Mas eram tantos sorrisos e novidades que, num instante, a desconfiança evaporou. As entrevistas demoraram bastante, já que as moças não sabiam ler e falavam rajastani, um dialeto da região. Assim, primeiro as meninas liam as perguntas, então Depa tentava se comunicar em Hindi e, se não desse certo, uma senhora que havia nos acompanhado traduzia o que faltava. Esse tipo de trabalho só é possível através da ajuda das cooperativas parceiras da CECO, que nos informam sobre os problemas mais graves e promovem o desenvolvimento econômico nesses lugares.

Enquanto as mulheres eram entrevistadas (e ficavam perguntando por que Lee não usava brincos ou esfregando a pele dela pra ver se a cor branca era tinta), eu fui soltar pipa com a criançada a fim de distraí-los, evitando o crowdeamento na pesquisa. Para mim, que nem gosto de menino pequeno (só menos do que Michael Jackson), foi A FARRA. Sinceramente, levei um piau da galera e fui “homilhado” no quesito manobras ousadas. Às três da tarde (começamos às dez da manhã), encerramos as atividades e voltamos para a cooperativa. Lá ficamos à espera do motorista da ONG, que conduzia o carro com a suavidade de quem tinha acabado de assaltar um banco e fugia da SWAT.

Ao largar do serviço, peguei um carona com Jay, economista de 23 anos que trampa comigo na CECO. Que cara fuderoso! Lembrei-me imediatamente de Pipo e Zaca (dois otários que moram no meu coração, pagando um aluguel irrisório). Assim como os dois, ele teve a oportunidade de morar fora e criar uma consciência do elevado grau de urbanização e civilidade existente em países de primeiro mundo. Mas para Jay, a despeito do deslumbramento que viver em Londres causa na galera, esse período foi morgado, pois o temperamento dos ingleses (generalizando mais uma vez) é bem mais frio do que o dos indianos ( e dos brasileiros, primos de segundo grau da turma deste lado do mundo). A casa dele é I-RA-DA. Fica em Malvya Nagar, um barro descolado (hahay, sempre quis usar esse termo ¬¬), e tem uma vista encantadora. O pai dele é um alto funcionário do governo, por isso, depois de ser apresentado ao cafofo, fui deixado, por um MOTORISTA, em casa (eu sei, tenho que praticar o desapego, mas o único motorista que me leva a algum lugar no Brasil é o condutor do CDU/CAX/Boa Viagem). Assim que cheguei, o pessoal me avisou que Sami (eu escrevi errado no post anterior) queria falar urgentemente comigo. O cara iria fazer um jantar em casa e me intimou a participar. Como sou enjoado para comer (Ironia: recurso linguístico utilizado para se dizer o contrário daquilo que se comunica), topei na hora. Peguei um Rickshaw (aqueles táxis que parecem uma motoca com cabine) e fui sozinho à casa dele.

Sami mora na parte muçulmana de Jaipur, lugar onde a cidade começou e onde ficam os primeiros portões da cidade. Na casa dele, que tem mais de duzentos anos, estão enterrados os patriarcas da família. E a propriedade tem uma MESQUITA dentro dela. Isso é comum aqui, mas eu sou matuto, criado nas brenha, não conseguia segurar minha surpresa e encantamento. Saímos para comprar Roti, um pão típico dessa parte do país (parece pão sírio, mas é mais gostoso) e eu não conseguia fechar a boca diante dos restaurantes espalhados pela vizinhança. São tantos cheiros, tantos sabores, que o sujeito fica deliciosamente atordoado. Por ser o centro velho da cidade, é meio diferente do resto da capital, é mais humilde. Só que eu venho do subúrbio, dessa feita, me sentia na CDU ali.

De volta a casa, Sami foi me mostrar os anexos do imóvel. Nesse momento, eu vi o poço utilizado para acumular água, nos períodos de chuva, vi o mausoléu da família e a mesquita. Não sabia, mas os muçulmanos (pelo menos aqui) também creem em espíritos. Sami me mostrou onde eles habitam e eu, mesmo me cagando de medo, tentei um contato de leve. Ainda bem que a galera tava dormindo e não veio falar comigo. Conversando seriamente agora: deixei de ser religiosos há quatro anos. Fui muito católico durante quase toda a minha incipiente vida. Mas ao entrar neste lugar, senti uma emoção inexplicável e, pela segunda vez na minha vida, chorei em um local sagrado. É, meu chapa, não entendi até agora o que se passou, mas posso garantir a você que algo muito forte me atingiu naquela hora. Talvez todo o amor e respeito que aquela família tem pelos antepassados tenha se convertido em energia ali. Nunca vou saber. Apenas senti uma alegria violenta e deixei as lágrimas correrem silenciosamente enquanto voltava meus pensamentos para os meus entes, de sangue e de afeto.

O jantar foi preparado por Mohsin, cozinheiro profissional que trabalhou por três anos em Délhi. Além dele, estavam presentes T, um chegado que trabalha num call center, e Martina, a polonesa que mora com a gente na casa dos estudantes. Ambos, Mohsin e T, se tornaram meus amigos assim que os conheci. Isso é FODA! Mais uma vez, ofereça o seu respeito a alguém e você será respeitado de igual forma. Bem, voltando à janta, os meninos haviam organizado o famoso churrasco na laje. Não era churrasco, claro, é só uma força de expressão. Como não sabiam que eu não como carne (é, querido leitor, há três meses virei um “ET”, segundo o pessoal da “firma”), preparam um frango (Korna é o nome da delícia. Ei, mais não é uma pessoa, por favor. Você sabe que eu não falo sobre meus hábitos sexuais por aqui) de outro mundo. Entupido de temperos, minunciosamente manejado (para não quebrar as partes durante o cozimento), e com um molho violento, o prato era um presente dos deuses, ou melhor, de Alá. Não recusei, pois isso é uma ofensa na Índia (e para mim também, de verdade). Há muito tempo, não é segredo para você que eu sou apaixonado por cozinha. Modéstia parte, poderia viver vendendo cachorro-quente tranquilamente. Por prezar tanto pelo preparo de um prato, considero que recusar comida é recusar amor. Comemos “di cum fôssa”, “valenu”. No final, rateamos os custos, pois a comilança foi forte e a fartura, intensa. A única coisa da qual senti falta no dia foi não ter falado com Ketan. Mas mesmo assim, não deixei de aprender algo com ele (o cara não para de me dar lições de vida inacreditáveis). Lendo uma mensagem dedicada a mim, entendi a seguinte coisa: você não precisa escutar os conselhos dos seus familiares. Apenas os ame verdadeiramente.

Vou me despedir, pois tenho de repousar para não adoecer mais ainda no ano novo. Deixo com você uma saudade, um abraço e um pedido: transmitam às minhas mães todo o amor que eu sinto por elas. Para tanto, faça a seguinte coisa: ligue para elas, primeiramente, contando sobre meus relatos. Depois, diga a sua mãe que nada é mais importante para você do que a pessoa que lhe deu a vida. Obrigado pelo apoio e até breve.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Lições que não se aprendem na escola...

Leitor estimado (até porque não tenho outro a quem me dirigir),

Eu sou uma farsa! Prometi a você um texto sobre o trânsito e a comida, mas as coisas que vi e vivi obrigam-me a conduzir a mensagem por outros caminhos. Queria pedir licença tanto a sua pessoa, quanto a Ketan, para falar um pouco sobre esse amigo que muito tem me ajudado durante esses primeiros momentos em Jaipur.

Desde que desembarquei por essas terras, Ketan se colocou à disposição para me mostrar a cidade, comprar alguns artigos de primeira necessidade e esclarecer minhas dúvidas sobre o trabalho e o transporte. Em cada conversa que tivemos até agora, percebi a generosidade que habita em todos nós, independente das fronteiras, culturais e geográficas, que nos separam. Entre todos os assuntos pelos quais divagamos, dois ensinamentos me marcaram profundamente. O que eu irei dizer é basicamente autoajuda, mas nem faça cara feia (sei que você é intelectual, culto, viajado, mas isso é problema seu), pois, a nossa necessidade de tirar proveito comercial de tudo distorceu o verdadeiro significado desse termo. Em apenas poucas palavras, e por meio de gestos quase imperceptíveis (não para este coração amaciado por duas mães maravilhosas, D. Aurora e Tia Nina), Ketan me ensinou que a verdade é a coisa mais importante na vida! Não a minha verdade ou a sua, mas a essência de cada história. Verdade pode ser um ponto de vista, lógico, porém, ainda que seja a sua versão, jamais será completa se você a manipula para benefício próprio ou para esconder os fatos. A outra lição é: mostre respeito e será respeitado. Parece um preceito de Mestre Miyagi, entretanto, o buraco é beeeem mais embaixo. Respeitar vai muito além de aceitar algo. Respeitar é compreender que seu mundo é apenas uma das MILHÕES de possibilidades de existência nessa vida marromeno. Se uma coisa não te prejudica, nem a outro, fique na sua, porque você NÃO TEM NADA A DIZER SOBRE ISSO. Resumindo: “o que serve pra você pode não se aplicar a mim, por isso, se feche aí e num fale muito não pra não encher a minha paciência”. Com certeza deve haver um ditado hindi que fala isso, vá por mim.

Bem, agora que Lair Ribeiro saiu desse corpo que não pertence a ele (mas dependendo de quanto estiver disposto a pagar, quem sabe?), posso falar sobre meu primeiro dia no trabalho. Ontem fui fazer apenas uma visita informal para conhecer o lugar, as pessoas e aprender a chegar lá sozinho. Hoje, acordei bem cedo (na verdade, fui acordado por um dos meus colegas de alojamento que queria usar o PC), tomei AQUELE BANHO e, quando estava prestes a sair, fui interpelado pelo dono da casa. Eram oito horas da manhã, ele me perguntou para onde eu estava indo. Respondi que iria para o escritório da ONG e escutei uma GAITADA que deixou até o cachorro errado, imagina como eu fiquei. O senhorio me explicou que quase todos os escritórios abrem às nove, dez horas. Assim, tive tempo de tomar um chai (é uma bebida do subcontinente indiano feita a partir da produção de chá com uma mistura de especiarias e ervas aromáticas indianas. Wikipedia a gente vê por aqui!). Apenas amanhã terei que chegar mais cedo, às oito e meia, para me inteirar sobre as atividades, uma vez que meu tempo de estada é muuuuito curto.

Fui à parada de ônibus, lugar onde os ônibus não param, e andei mais um pouco para chegar ao lugar correto (que, incrivelmente, não é a parada). Em vários aspectos a Índia se parece muito com o Brasil e isso inclui o busão. Peguei o 3C (melhor relação custo/benefício/segurança) correndo, pois a galera não gosta de perder tempo estacionando a lotação para você subir. Ou seja, pus em prática todos os meus conhecimentos sobre BIGU adquiridos em minha infância dourada na CDU, quando precisava guardar o dinheiro da passagem para jogar vídeo game ou comer uma coxinha na Machadu's. Eu precisava ir até o Chatrala circle, mas meu hindi ainda não é fluente, de maneira que o cobrador só foi entender p nome do lugar no momento em que o circular estava passando pelo local. Como tenho boa memória para pontos de referência, dei aquela batida no teto (sim, caríssimo, se você andou de Kombi, assim como eu, deve lembrar desse saudoso gesto) e gritei: VAI DESCÊ, MOTO! Ao que ele me retornou: aqui é sujeira para abrir, mas logo menos eu paro pra tu, pai! Desci numa ligeireza que chega deu orgulho (de novo, o ônibus estava em movimento) e olhei ao redor a fim de me orientar. Meu brother, você sabe que, sem falsa modéstia, tenho um ótimo senso de localização. É sério, não costumo esbanjar minhas virtudes, mas essa é uma das poucas coisas das quais minhas mães se orgulham, eu acho. Contudo, no intuito de não errar o caminho, fui perguntar a um passante qual o endereço da ONG. O rapaz foi muito solicito e, com toda a segurança que sheeva deu a ele no momento, me mandou seguir na DIREÇÃO OPOSTA ao endereço certo. Depois de muito andar, percebi que não iria chegar a lugar nenhum. No máximo, ao Janga. Voltei ao lugar de origem e fui até uma fábrica pedir informações sobre o bairro. Como havia levado o telefone da ONG, dei ao moço da portaria, que fez a gentileza de ligar e pegar todos os dados para que eu não me perdesse. Após esse instante, o danado me mostrou a direção, mas só se ESQUECEU de me dizer para virar à direita no círculo. Mais uma vez, andei feito um corno que pega a mulher com outro e vai pro bar e não encontrei o lugar. Meu amigo, é círculo, num tem errada, como a galera não me diz o endereço certo? Eu arrudiei mais do que cachorro quando quer cagar, mas não encontrava o local. Por fim, um rapazote que não falava inglês, mas tinha todos os 86 dentes em dia e fazia questão de mostrar, me ensinou o caminho correto.

No escritório, todos foram incrivelmente amáveis comigo. Isso não é força de expressão. Recebi alguns folhetos e manuais que falavam sobre os projetos desenvolvidos por lá e fui apresentado a minha supervisora, Jayashree. Além disso, fiz uma pequena apresentação sobre o natal na minha casa, que é bem simples, mas pelo menos é sincero e não tem nenhuma conotação comercial, já que o povo da família é bem religioso, exceto esta criatura aqui. Ademais, falei sobre Lula e Dilma, tentei explicar ao pessoal da organização sobre os mandatos do ex-presidente e da atual chefa. Abordei as questões relacionadas ao desenvolvimento econômico dos últimos anos, aos programas assistenciais, à melhoria das condições de vida e do poder aquisitivo de grande parte da população de baixa renda e à corrupção ESCROTA que rola por aí. Não fiz média, você sabe que tenho milhares de ressalvas a respeito do “modo PT” de governar. Expus minha opinião sobre os aspectos positivos e negativos de cada governo e, no final, mencionei o BRICs e a necessidade das economias emergentes de olhar para a má distribuição de renda e a desigualdade social existente nesses países.

Ao término dessa primeira parte, fui almoçar com os chegados, pois falar demais abre o apetite. Lembrando sempre dos conselhos de minhas mães (e dos gritos de tia Bete: “tem comida em casa não, menino?”), coloquei uma quantidade razoável para não passar por morta fome. De repente, aparecem as meninas com uns pratinhos ATÉ LAITE! Na mesma hora pensei: oxe, vou perder pra elas, é? Vô dimai!. Nesse instante, o chefe da cozinha falou algumas palavras que sempre me transmutam de um ser dotado de tele-encéfalo desenvolvido e polegar opositor em um primata selvagem criado na lei da selva. Ele chegou em mim e disse: coma mermo, meu filho, tem muita comida, nem se preocupe. Meu grande confidente, se você perguntar aos pais dos meus amigos, como Cris e Beto, a minha capacidade de ingerir alimentos sólidos, líquidos e gasosos, talvez eu nunca vá desfrutar de uma boia na sua casa. Sinceramente, quando eu ouço as palavras supracitas, entro em um estado de frenesi do qual só saio após a velha barrigada vespertina.

Sentindo-me muito bem depois do almoço, voltei para as minhas leituras e, às cinco, larguei. Peguei o ônibus de volta pra casa e, perto do portão, um dos meus conhecidos, que trabalha na portaria de um condomínio, veio me pedir minha blusa de frio. Dei aquela esquivada explicando que só tinha aquele e não poderia doá-lo, pois o frio aqui é de encolher a pitoca. Tentei ser bem gentil e tomara que ele não tenha se chateado com a parte da pitoca, mas é a mais pura verdade.

Agora são dez horas e eu devo tentar dormir, pois amanhã é dia de branco e, como não tem essa conversa de “final de ano ninguém trabalha”, a labuta vai ser pesada.
Espero que o texto não tenha sido tão cansativo, mas, se foi, depois você me avisa, porque eu começarei a escrever esses relatos via twitter. Se você puder, avise as minhas mães sobre os meus relatos e mantenha-as informadas acerca das minhas aventuras. Até breve!

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Prezado leitor

Querido leitor,

Já estou em Jaipur. Cheguei às 20:05h do dia 24 de dezembro de 2011. Só hoje me dei conta de que passei o natal longe de D. Aurora, a responsável por colocar este sujeito no mundo. É a primeira vez que não estamos juntos no Natal, por isso, queria que você fizesse chegar a ela o beijo mais afetuoso e o abraço mais demorado do mundo. Isso é apenas um pedido, mas os pequenos gestos nos definem com grande fidelidade.
Queria lhe falar, primeiramente, sobre o sotaque de grande parte da população (isso é uma hipérbole, afinal, a Índia é o SEGUNDO país mais populoso do mundo. Por favor, não leve a sério). O Inglês é falado em todas as partes, mas é preciso um pouco de esforço para compreender e ser compreendido (Acho que São Francisco passou as férias por aqui, enquanto dava um tempo nos votos de pobreza, na Itália). Isso porque os indianos usam a pronúncia do alfabeto Hindi, então quando eles querem dizer “When you will leave”, você, basicamente, escuta: “Ven viuor nsuneunfneybfbfbb”. Inicialmente, você pensa “por que eu não prestei atenção nas aulas de inglês do colégio?” ou então fica esperando escutar uma daquelas frases de filmes erótico-educativos (yes, it's coming!). Desse modo, com a calma que o desespero te presenteia nesses momentos, você sorri bastante, concorda com tudo (mas fica ligado nas expressões e reações da turma) e, no final fala: Sure! I'm Brazilian, you know?
Quando desembarquei nesta cidade, meu chapa Ketan Rathore foi me buscar de moto para me levar à república onde moram os trainees e outros estudantes. Pegar uma carona de moto com um frio de dois graus, após ter esquecido o casaco em Recife, pode parecer burrice. E é. Devo ser sincero, pois foi assim que minha mãe me educou. Mas não havia outra forma de chegar à minha nova casa. Fui recebido com muitos sorrisos e mais momentos do tipo: não entendo o que vocês falam, mas tá limpeza, só preciso de um espaço pra deixar minhas coisas. O dono do lugar, um coroa gente como a gente, me pediu o passaporte e eu tive que preencher um formulário de registro de estada, só para garantir que eu não era uma alma sebosa (se ele descobre que eu pertenço a uma facção criminosa chamada “Cublinho” e frequento “A Casinha”, estaria pedindo comida e abrigo nas ruas de Jaipur até hoje). Depois de esclarecer as regras de convivência da casa, como não levar comida não-vegana para o interior do imóvel e chegar até às onze da noite (mas se eu precisar, posso avisar antes e chegar mais tarde), falei para ele e para a senhora dele que, assim que eu descansasse , faria uma tapioca rocheda pro pessoal e ainda finalzei com um: meu senhor, é porque aqui não tem cajá. Se tivesse, eu quebrava as suas pernas com meu suco!
Logo após checar uns e-mails, Sumi, o cara que mora no quarto ao lado, veio me dar as boas-vindas. O bicho é sensacional. Fala inglês com o sotaque que você preferir, trabalha muito, também é VICIADO n'O Poderoso Chefão (asssistimos várias cenas aleatórias só pra sacar os diálogos mais fuderosos do cinema) e descobri que, ser muçulmano é só uma das coisas que te fazem ser quem você é. Não é o mais importante. Eu preciso falar isso pra você, meu leitor saudoso: diversas etnias, religiões e culturas convivem harmoniosamente nesse parte do país, pois eles se consideram, antes de mais nada, indianos.
No domingo, fui acordado por Ketan e daqui, seguimos para o shopping, porque eu precisava de um adptador para a toamda do notebook, de outro modo, não poderia presenteá-lo com minha diarreia verborrágica. Natal por aqui é uma data comercial, apenas isso. Os centros de compras ficam lotados e as pessoas, ávidas por aquele celular de última geração (meu bom, a turma gosta de celular aqui, vu?).
Também fui ao escritório da AIESEC, oraganização que cuida do intercâmbio, e conheci o irmão de Ketan, Nitin. Dezessete anos, mais hiperativo que eu e fã de Dwayne “The rock” Johnson. Ele tem, somente trocentos diálogos dos filmes desse cara no celular. Só pra você ter uma ideia do que eu estou falando, quando eu o agradeci por ter segurado minha bolsa, ele, extremamente sisudo, olhou para mim e proferiu a seguinte frase: Não existe obrigado entree amigos. Agora nós somos amigos e isso já sua gratidão. Eu quase começo a chorar aí caboclo ri e solta: “é uma frase do Dwayne, man, ele é demais” ¬¬
Bem, não posso me alongar agora, pois Ketan chegou e vai me levar ao meu primeiro dia de trampo. Mais tarde eu volto pra falar sobre duas coisas essenciais e muito, muito exóticas: comida e trânsito!
Até mais.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Querido leitor,

Eu deveria começar a contar essa história desde o começo, isto é, a partir do momento em que decidi fazer um intercâmbio cujo foco seria a realização de um trabalho voluntário. Mas prefiro iniciar esse relato com a viagem para Jaipur.
Saí do Recife no dia 22 de dezembro, às 18:35h. Embarquei para São Paulo, porque foi de lá que partiu meu voo para Doha, no Qatar, primeiro destino internacional da minha vida. No avião, tudo correu tranquilamente, pelo menos para um voo de doze horas. Além dos acontecimentos rotineiros, que que incluem um menino pequeno fazendo escândalo e interrompendo o sono dos justos e do intercambista que vos escreve e a fila gigante para usar o banheiro, essa parte da viagem ficou marcada pela simpatia do pessoal da Qatar airways, que cuidou para que eu não ficasse sem água e sem o Juanito Andante nosso de cada dia.
Aqui eu abro um parênteses: se você está de bobeira e pensou em ir ao oriente ou à Índia, sugiro comprar revistas ou levar livros, pois demora um pouquinho para atravessar o oceano Atlântico e a África. Vai por mim, eu pensava que o mar acabava um pouco mais à frente do Recife, mas não é bem assim.
Bom, depois de toda uma vida e mais uma reencarnação dentro da aeronave, finalmente aterrissamos em Doha. Deserto é aquele negócio, quente de manhã e frio pesado à noite (mas Jaipur é frio pela manhã, gelado à tarde e freezer do pai de Dyogo e Thyago L'amour, quando tinham a banca, à noite). Guardadas as devidas proporções, lembrei-me do sertão e da variação de temperatura entre noite e dia.
Em Doha, comecei a mostrar a que vim: levei a Trip com Luana Piovani na capa (essa edição, por sinal, ficou arretada) para passar o tempo. Só tinha esquecido que o Qatar é um principado islâmico conhecido por, como posso dizer, seus costumes conservadores. Meu único e querido leitor, quando eu me dei conta da bomba que estava nas minhas mãos, fiquei um pouco nervoso (eu já sou bastante agitado e, nesse momento, só pensava em castração química, deportação genital e outras bizarrices das quais o senhor será poupado de imaginar). Minha sorte foi ter conhecido um brasileiro neurocientista, que é professor/pesquisador no japão, e uma “arrentina” que estava viajando para a Tailândia no intuito de concluir sua monografia. Eles me deram cobertura enquanto eu, desajeitadamente, tentava enfiar Luana em minha bolsa. O susto foi grande, mas, rápido como quem rouba, consegui despistar as autoridades locais.
Agradeci a gentileza convidando os dois para uma xícara de café, paga pelo professor, diga-se de passagem. Terminamos nossas bebidas e nos saudamos com aquele que é o clássico do cinismo em despedidas: “a gente se vê, viu? Pegue meu e-mail pra gente manter contato, tá?” Ãham, senta lá...
Depois disso, fui fazer meu check in. Como era o primeiro da fila, comecei a puxar conversa com o caboclo do atendimento. Falei sobre a dificuldade de se trabalhar em aeroporto, embora nunca tenha pisado em um sem ser por diversão, sobre o clima (tá frio, hein, pai?) e, claro, sobre o Brasil. Pedi para tirar umas fotos do lugar e, quando voltei para a sala de embarque, ele pediu para que eu aguardasse enquanto ele “atualizava” minha passagem. Desnecessário dizer que a minha imaginação fértil como estrume de bode tratou de me convencer de que eu iria ficar em um assento perto do banheiro, quase como um auxiliar de lavabo.
Mas a vida é uma caixinha de surpresas e, ao entrar no avião, fui recebido pela melhor tripulação que eu já vi, incluindo os filmes da série “Aperte o cinto, que o piloto sumiu”. Depois de muitos sorrisos, encaminharam-me para, segure-se em sua privada (lugar onde costumam ler meus textos, talvez pela similaridade entre o conteúdo escrito e o conteúdo evacuado), a PRIMEIRA CLASSE. Isso mesmo, criança, esta besta aqui foi colocada no espaço mais nobre do teco-teco. Meu amigo, eu só quero lhe dizer uma coisa: João Caminhador do Rótulo Preto foi a coisa mais light que eu consumi. Entre outras regalias, fui brindado com champagne Laurent Perrier, vinhos italianos e franceses, um banquete árabe e uma ressaquinha que permanece até o presente momento.
Agora você pode estar pensando: que lapa de filho de uma pessoa bem quista! Eu também pensaria a mesma coisa, não se preocupe. Só que as pegadinhas ainda não haviam cessado. O camarada que viajou ao meu lado era um indiano gente fina. Tão gente fina e despreocupado que me disse que trabalhava com “beaches”, na Nigéria. Eu, na minha inocência beirando a tabacudisse, retruquei de imediato: “no brasil temos beaches muito bonitas, principalmente em Pernambuco”. Foi a deixa para que ele me pedisse meu e-mail a fim de conversamos melhor sobre esse ramo de negócio. Com a cara mais errada do mundo, percebi que, devido ao seu sotaque peculiar, eu havia entendido uma palavra quando, na verdade, ele queria expressar outra, se é que você me entende. Procurei não puxar muita conversa depois disso e acho que meu amigo sikhi (um tipo de religião em que os homens usam turbante e, geralmente, não cortam o cabelo nem aparam a barba) se deu conta do desentendimento a respeito das “beaches” do Brasil. Dormi o resto da viagem até a chegada em Delhi.
Agora eu chamaria sua atenção para um assunto sério. Ao desembarcar, tenha em mãos o endereço e, se possível, o telefone de seu contato na Índia. O endereço é pedido na “receita federal”, e os cabras fazem cara feia se você não tiver. Não sei se é caso de impedimento para o desembarque no país, mas é melhor evitar estresse, afinal, você não está em Pipa para poder voltar para casa sem preocupação se algo der errado. Já o telefone é útil para que você não precise gastar uma grana no “Plaza Lounge” para ter acesso a internet. O aeroporto todo é coberto por uma “wifi zone”, mas a conexão é paga, meu pirraia.
Nesse momento, estou num café, carregando a bateria da máquina fotográfica, comendo um sanduba vegano mais apimentado do que acarjé da praia do forte, em Salvador, e esperando meu voo para Jaipur. Quando finalmente chegar lá, conto o resto das minhas aventuras em Délhi, que incluem amizades com os oficiais do exército indiano e meus problemas para compreender o sotaque do povo, entre outras coisas. Até breve!