terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Lições que não se aprendem na escola...

Leitor estimado (até porque não tenho outro a quem me dirigir),

Eu sou uma farsa! Prometi a você um texto sobre o trânsito e a comida, mas as coisas que vi e vivi obrigam-me a conduzir a mensagem por outros caminhos. Queria pedir licença tanto a sua pessoa, quanto a Ketan, para falar um pouco sobre esse amigo que muito tem me ajudado durante esses primeiros momentos em Jaipur.

Desde que desembarquei por essas terras, Ketan se colocou à disposição para me mostrar a cidade, comprar alguns artigos de primeira necessidade e esclarecer minhas dúvidas sobre o trabalho e o transporte. Em cada conversa que tivemos até agora, percebi a generosidade que habita em todos nós, independente das fronteiras, culturais e geográficas, que nos separam. Entre todos os assuntos pelos quais divagamos, dois ensinamentos me marcaram profundamente. O que eu irei dizer é basicamente autoajuda, mas nem faça cara feia (sei que você é intelectual, culto, viajado, mas isso é problema seu), pois, a nossa necessidade de tirar proveito comercial de tudo distorceu o verdadeiro significado desse termo. Em apenas poucas palavras, e por meio de gestos quase imperceptíveis (não para este coração amaciado por duas mães maravilhosas, D. Aurora e Tia Nina), Ketan me ensinou que a verdade é a coisa mais importante na vida! Não a minha verdade ou a sua, mas a essência de cada história. Verdade pode ser um ponto de vista, lógico, porém, ainda que seja a sua versão, jamais será completa se você a manipula para benefício próprio ou para esconder os fatos. A outra lição é: mostre respeito e será respeitado. Parece um preceito de Mestre Miyagi, entretanto, o buraco é beeeem mais embaixo. Respeitar vai muito além de aceitar algo. Respeitar é compreender que seu mundo é apenas uma das MILHÕES de possibilidades de existência nessa vida marromeno. Se uma coisa não te prejudica, nem a outro, fique na sua, porque você NÃO TEM NADA A DIZER SOBRE ISSO. Resumindo: “o que serve pra você pode não se aplicar a mim, por isso, se feche aí e num fale muito não pra não encher a minha paciência”. Com certeza deve haver um ditado hindi que fala isso, vá por mim.

Bem, agora que Lair Ribeiro saiu desse corpo que não pertence a ele (mas dependendo de quanto estiver disposto a pagar, quem sabe?), posso falar sobre meu primeiro dia no trabalho. Ontem fui fazer apenas uma visita informal para conhecer o lugar, as pessoas e aprender a chegar lá sozinho. Hoje, acordei bem cedo (na verdade, fui acordado por um dos meus colegas de alojamento que queria usar o PC), tomei AQUELE BANHO e, quando estava prestes a sair, fui interpelado pelo dono da casa. Eram oito horas da manhã, ele me perguntou para onde eu estava indo. Respondi que iria para o escritório da ONG e escutei uma GAITADA que deixou até o cachorro errado, imagina como eu fiquei. O senhorio me explicou que quase todos os escritórios abrem às nove, dez horas. Assim, tive tempo de tomar um chai (é uma bebida do subcontinente indiano feita a partir da produção de chá com uma mistura de especiarias e ervas aromáticas indianas. Wikipedia a gente vê por aqui!). Apenas amanhã terei que chegar mais cedo, às oito e meia, para me inteirar sobre as atividades, uma vez que meu tempo de estada é muuuuito curto.

Fui à parada de ônibus, lugar onde os ônibus não param, e andei mais um pouco para chegar ao lugar correto (que, incrivelmente, não é a parada). Em vários aspectos a Índia se parece muito com o Brasil e isso inclui o busão. Peguei o 3C (melhor relação custo/benefício/segurança) correndo, pois a galera não gosta de perder tempo estacionando a lotação para você subir. Ou seja, pus em prática todos os meus conhecimentos sobre BIGU adquiridos em minha infância dourada na CDU, quando precisava guardar o dinheiro da passagem para jogar vídeo game ou comer uma coxinha na Machadu's. Eu precisava ir até o Chatrala circle, mas meu hindi ainda não é fluente, de maneira que o cobrador só foi entender p nome do lugar no momento em que o circular estava passando pelo local. Como tenho boa memória para pontos de referência, dei aquela batida no teto (sim, caríssimo, se você andou de Kombi, assim como eu, deve lembrar desse saudoso gesto) e gritei: VAI DESCÊ, MOTO! Ao que ele me retornou: aqui é sujeira para abrir, mas logo menos eu paro pra tu, pai! Desci numa ligeireza que chega deu orgulho (de novo, o ônibus estava em movimento) e olhei ao redor a fim de me orientar. Meu brother, você sabe que, sem falsa modéstia, tenho um ótimo senso de localização. É sério, não costumo esbanjar minhas virtudes, mas essa é uma das poucas coisas das quais minhas mães se orgulham, eu acho. Contudo, no intuito de não errar o caminho, fui perguntar a um passante qual o endereço da ONG. O rapaz foi muito solicito e, com toda a segurança que sheeva deu a ele no momento, me mandou seguir na DIREÇÃO OPOSTA ao endereço certo. Depois de muito andar, percebi que não iria chegar a lugar nenhum. No máximo, ao Janga. Voltei ao lugar de origem e fui até uma fábrica pedir informações sobre o bairro. Como havia levado o telefone da ONG, dei ao moço da portaria, que fez a gentileza de ligar e pegar todos os dados para que eu não me perdesse. Após esse instante, o danado me mostrou a direção, mas só se ESQUECEU de me dizer para virar à direita no círculo. Mais uma vez, andei feito um corno que pega a mulher com outro e vai pro bar e não encontrei o lugar. Meu amigo, é círculo, num tem errada, como a galera não me diz o endereço certo? Eu arrudiei mais do que cachorro quando quer cagar, mas não encontrava o local. Por fim, um rapazote que não falava inglês, mas tinha todos os 86 dentes em dia e fazia questão de mostrar, me ensinou o caminho correto.

No escritório, todos foram incrivelmente amáveis comigo. Isso não é força de expressão. Recebi alguns folhetos e manuais que falavam sobre os projetos desenvolvidos por lá e fui apresentado a minha supervisora, Jayashree. Além disso, fiz uma pequena apresentação sobre o natal na minha casa, que é bem simples, mas pelo menos é sincero e não tem nenhuma conotação comercial, já que o povo da família é bem religioso, exceto esta criatura aqui. Ademais, falei sobre Lula e Dilma, tentei explicar ao pessoal da organização sobre os mandatos do ex-presidente e da atual chefa. Abordei as questões relacionadas ao desenvolvimento econômico dos últimos anos, aos programas assistenciais, à melhoria das condições de vida e do poder aquisitivo de grande parte da população de baixa renda e à corrupção ESCROTA que rola por aí. Não fiz média, você sabe que tenho milhares de ressalvas a respeito do “modo PT” de governar. Expus minha opinião sobre os aspectos positivos e negativos de cada governo e, no final, mencionei o BRICs e a necessidade das economias emergentes de olhar para a má distribuição de renda e a desigualdade social existente nesses países.

Ao término dessa primeira parte, fui almoçar com os chegados, pois falar demais abre o apetite. Lembrando sempre dos conselhos de minhas mães (e dos gritos de tia Bete: “tem comida em casa não, menino?”), coloquei uma quantidade razoável para não passar por morta fome. De repente, aparecem as meninas com uns pratinhos ATÉ LAITE! Na mesma hora pensei: oxe, vou perder pra elas, é? Vô dimai!. Nesse instante, o chefe da cozinha falou algumas palavras que sempre me transmutam de um ser dotado de tele-encéfalo desenvolvido e polegar opositor em um primata selvagem criado na lei da selva. Ele chegou em mim e disse: coma mermo, meu filho, tem muita comida, nem se preocupe. Meu grande confidente, se você perguntar aos pais dos meus amigos, como Cris e Beto, a minha capacidade de ingerir alimentos sólidos, líquidos e gasosos, talvez eu nunca vá desfrutar de uma boia na sua casa. Sinceramente, quando eu ouço as palavras supracitas, entro em um estado de frenesi do qual só saio após a velha barrigada vespertina.

Sentindo-me muito bem depois do almoço, voltei para as minhas leituras e, às cinco, larguei. Peguei o ônibus de volta pra casa e, perto do portão, um dos meus conhecidos, que trabalha na portaria de um condomínio, veio me pedir minha blusa de frio. Dei aquela esquivada explicando que só tinha aquele e não poderia doá-lo, pois o frio aqui é de encolher a pitoca. Tentei ser bem gentil e tomara que ele não tenha se chateado com a parte da pitoca, mas é a mais pura verdade.

Agora são dez horas e eu devo tentar dormir, pois amanhã é dia de branco e, como não tem essa conversa de “final de ano ninguém trabalha”, a labuta vai ser pesada.
Espero que o texto não tenha sido tão cansativo, mas, se foi, depois você me avisa, porque eu começarei a escrever esses relatos via twitter. Se você puder, avise as minhas mães sobre os meus relatos e mantenha-as informadas acerca das minhas aventuras. Até breve!

6 comentários:

  1. O blog tá massa, Barros!!

    Só tá faltando a história de como vc ficou parceiro dos militares indianos.

    Abraço

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  2. Muda o plano de fundo. Tu sabe que eu nunca li nem um livro paradidático, nem aquele livro " Cinco Minutos" ( que de tão fino deve ter esse nome porque deve ser o tempo que se leva pra ler). Daí arranjo meio motivo pra não ler. Ajuda aí legal.

    Abraço cduvarzense!

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  3. daaaaaaaaniiii, tô adorando as histórias, mas ainda não entendi o que é esse trabalho teu ainda. ahahahhahah
    e eu quero fotos da cidadeeeee!

    hoje vimos uma exposição de fotos da Índia. linda, linda, linda.

    beijão

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    1. Minha pirraia, vc seria uma companhia ideal pra estar comigo aqui! Sinto tanto a tua falta e falo tanto das nossas arriações pra galera que o povo acha que eu sou o cara mais sortudo do mundo por ter amigos como a galera do Cublinho. Te amo, coisa linda! Saudade MONSTRA

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  4. Barros...eu tô sempre lendo e rindo mto aqui!!!!
    hahahahahhahaahahaha

    E realmente você come mto!!

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